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A Fornada

Texto de Aurora Simões de Matos

Belíssimo este poema

Ti Zefa da Pereira vai cozer o pão

a grande fornada da semana inteira

O forno que fica por cima do lume

está quase pronto, vazia a pilheira

de pinhas, chamiças, cavacos e torgas

mesmo ali juntinho, perto da lareira

Quando ganhar lastro, quando ficar quente

varre-o com vassoura feita de carqueja

arrastando a cinza ainda abrasida

à boca escaldante, mesmo para a beira

Tira um pedacinho de massa à masseira

põe-no na escudela que foi polvilhada

Trabalha brincando a bola que salta

molinha, tenrinha, e que salteada

tendida, estendida, redonda, achatada

vai na pá de ferro ao forno a cozer

coberta de carne, carne entremeada

ou então sardinha, sardinha escochada

O calor, a cinza, as brasas ajeita

para o forno aberto Ti Zefa espreita

E enquanto espera que a bôla se coza

para engalhar a fome à merenda dos seus

revive na mente a imensa canseira

de cozer o pão da semana inteira

Arregaça a saia, arregaça as mangas

e sempre encostada à grande masseira

despeja da saca a farinha de milho

que nessa manhã lhe trouxe a moleira

e roda que roda, batendo a peneira

polvilhos de neve de alva brancura

vão formando um monte dentro da madeira

E na maciez dessa fina alvura

faz um buraquinho onde há-de caber

o sal dissolvido em água bem quente

e o peso certo do santo fermento

que não é só seu, é de toda a gente

Começa a mistura com jeito e doçura

a seguir ao que, penosa tarefa

é o amassar mexido, batido

furado, entranhado, puxado, gemido

socado, suado, sovado à mão

num dançar ritmado até à exaustão

Ajeita-se a um canto a massa já pronta

polvilha-se, benze-se, sulca-se uma cruz

e entrega-se assim nas mãos de Jesus

que o há-de fintar e fazer crescer

que é pão de outra cruz do nosso viver

Depois é no forno metê-lo e cozê-lo

durante umas horas à porta fechada

com porta de ferro, com lama vedada

e quando se tira, bem quente, cheiroso

é pô-lo na tábua ‘inda a fumegar

Cinco grandes broas que bem governadas

hão-de na semana a fome matar

Só filhos são cinco – o home anda fora

mourejando a vida em terras distantes

e tem que tratar do seu pai agora

sem forças, que as forças se foram embora

As forças da vida, em cada tarefa

põe-nas com amor a boa Ti Zefa

criando seus filhos sozinha – e são tantos

no duro trabalho do monte e dos campos

a que dá inteiro o seu coração

como quando coze, no forno, seu pão

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